bica a metro

Há um tipo de local que me repugna/fascina pela cidade fora, mais concretamente os quiosques/cafés da Sical, em tons de vermelho e ocres, mergulhados no metro/politano, cheios de gente mas tão vazios, corpos carentes de cafeína mas também de um ombro consolador que ali não se encontra. Incrível a quantidade de gente de cara fechada que ali ruma em busca do abatanado, da italiana, do galão claro e morno, há vidas assim, da bica cheia, do garoto, do diabo a sete e mais um queque de cujas moléculas suspeito imenso, as merendas que podem ser de maçapão ou folhadas na voz de uma especialista que ouvi aqui há dias, todas reluzentes debaixo da luz fluorescente do balcão, a natureza não produz coisas assim, que luzem e que se trinquem na companhia de cegos, migrantes, passeantes, aleijados e trabalhadores de outros comércios, executivos de casta baixa, mochileiros, e esfomeados de ocasião mortinhos por uma vida mista, o queijo e fiambre a desafiar pelo menos a penumbra dos dias. Nos quiosques/cafés da Sical há gelados da Maxibon, bolos instantâneos, empregados que enfiaram a palavra sorriso num paradeiro desconhecido, e sente-se um frio que as paredes decoradas em motivos quentes, africanos, não disfarçam, a preta ilustrada de lenço na cabeça e moldura de fancaria tem mais vida do que aqueles microscosmos em que até as migalhas brilham, ali, aos pés dos incautos. E as migalhas não é suposto brilharem, foda-se.

4 comments:

Anonymous said...

Há uns anos atrás, num caso de extrema urgência, vi-me obrigada a repor o nível de cafeína num desses botecos vermelhos subterrâneos ali para os lados do cais-do-sodré e caiu-me mal o café: desolação e cafeína não combinam. Mas, lá está, não há vez em que não deite o olho àqueloutro do marquês de pombal onde existe sempre alguém abandonado na esplanada a observar a massa de formiguinhas apressadas. O gajo que teve a ideia de acrescentar a esplanada aos botecos só pode ser um sacana de um sádico.

Anonymous said...

Não tenho muitas palavras para descrever o quanto gosto do que vais escrevendo por aqui. Parabéns, continua. Aqui e no Arrastão. O mundo está a mudar... Tem que estar...

Nostalgia said...

Lindissimo texto...quando ia para Torre do Tombo, todas as manhãs lá tomava eu o meu café matinal num desses botecos...a sensação era precisamente a que descreves.

Anonymous said...

amén, ó vidente