crónicas ortográficas de um alfassinha # 13, especial sala de chuto

a propósito da medida das salas de chuto muito se tem dado antena à voz do povo, do filósofo de paragem de autocarro à analista social de alcofa no antebraço, furiosos, chispando raivas sobre a cambra, os pelíticos, ou mais genericamente "eles", os ainda mais malandros que os drógados, a trazerem a miséria para o nosso bairro, façam-se antes as salas nos bairros dos ricos. curiosamente um dos locais eleitos é o bairro do charquinho, enclave de benfica constituído por um dos primeiros bairros municipais a ser construído em lisboa, estado novo vintage, onde vivem muitos ex-funcionários públicos, municipais, sapadores bombeiros e outros bófias, que a seu tempo se fizeram à praça do município com borrego debaixo do braço a ver se o doutor presidente da altura lhes fazia o jeitinho. e fê-lo, em muitas ocasiões. ora tendo eu vivido até aos 27 anos em benfica, cemitério district, conheço razoavelmente a dinâmica da zona, onde desde há muito pululam inúmeros dealers de esquina e manguelas com o braço a cair pelo picotado, cuidado com as companhias era frase certa na boca dos progenitores da zona, os meus incluídos, bafejados pela sorte de terem um petiz que se deixa tomar pelo pânico de injecções, vacinas e análises clínicas, entre outras actividades de seringa em punho. sucede que ao ouvir falar por estes dias em charquinho e actividades de chuto lembrei-me dos bailes de santo antónio que decorriam na zona nos saudosos anos 80, repartidos entre as colectividades os kapas e a acrc, os primeiros com ampla zona de lazer, palco e modinhas tocadas pelos neandertais que a sociologia haveria de classificar como pré-músicos pimba, um avião a hélice abandonado no terreiro com cockpit a céu aberto onde a criançada galhofava – sobretudo quando ninguém se lembrava de aliviar a tripa lá para dentro como sucedeu uma ou outra vez – enquanto a parentela ia comprar o algodão doce, agora troca de par, mais uma voltinha, são joão dá cá um balão de bagaceira são domingos, poeirada no ar e sarrabulho de fim de festa com garrafas de mine a esvoaçar. do lado oposto atmosfera mais calma e sórdida na acrc, terreiro pequenino sem espaço para grandes danças nem palcos com p.a. produções zé da rocha, clivagem assumida com os gigantes do popularucho que pagavam cachet. debitava-se então pelas colunas os novos sons para a juventude e juro pelas alminhas que foi numa festa dos santos na acrc que ouvi pela primeira vez, circa 1989, a malha dos peste & sida "chuta cavalo... e morrerás", uma espécie de sinal de perigo garrafal, com todas as mazelas à mostra na letra tudo menos subtil, canção que até se encerra ao som da marcha fúnebre de chopin, celebrizada ao piano por santana lopes que à data suponho que mandasse na cultura com o resultado que se vai vendo. mas estas são contas de outro rosário, quiçá mesmo pregos de outra cruz, falava em chutar, falava em charquinho e foi nesse território que para muitos se fez luz pela voz do joão san payo, para outros mais distraídos o aviso funcionou como incentivo e o bairro afundou-se no caldo sem precisar que lhe pusessem uma colher por baixo. como dizia, repassei estas memórias de adolescência ao ver as notícias desta semana e ao ouvir uma popular aos berros cuspindo o panfleto "TIREM-ME OS DRÓGADOS DA PORTA" apeteceu-me sussurrar-lhe "minha senhora, que distracção, há já tantos anos que eles lá estão". que de rimas percebe aqui o chaval.

5 comments:

Anonymous said...

vivi em benfica ate aos 20,tenho 37 queres ver q ja te cravei 1 seda...????

parava todas as noites na av. Uruguai (82/90)

Shyznogud said...

qqr pessoa que se preze cresceu em benfica, claro.
Agora maia a sério: será que só os adolescente/jovens adultos (ou ex-adolescentes e ex-jovens adultos) têm olhinhos na cara?

Anonymous said...

isso de sedas não é comigo, não sou muito amigo de tecidos.

e essa cena dos olhos na cara se calhar é mais desplante e descaramento do que propriamente não ver, digo eu

Anonymous said...

talvez fosses quem nem Clinton:inalavas mas nao travavas

Anonymous said...

os gajos da minha rua ficavam no salão de jogos, qdo.havia rusgas ficavam em camadas na carrinha da policia,ou iam para o Charquinho...
com o passar dos tempos, continuamos com a queimadinha e muitos deles estão todos queimadinhos, mas sempre no Charquinho. A sala vai estar no sitio certo.