são bartolomeu é uma festa

na visita relâmpago ao verde minho destacou-se um evento acima de todos os outros, mesmo contando com a destruição do vespeiro instalado na lamparina funerária da campa do meu pai e da minha avó, o humano volta costas em direcção à capital e entre cada visita aos que nos deixaram as bestas lá labutam no cortiço, a ameaçar ferroada aos meninos da cidade e nós de mangueira de água em punho contra as putas às riscas pretas e amarelas, no offense beira-mar, muito menos peñarol, adversário de monta em certa noite de fuso japonês, mas desvio-me do cerne, da questão fulcral, a festa de são bartolomeu com arraial assente em ponte da barca, beleza imaculada minhota imediatamente antes da chegada da cavalaria de átila, também conhecida pelas partes que a compõem: carrocéis, tiro ao boneco, ao balão, à lata e ao cigano, lembremo-nos da coragem do pedro bacelar no oleiros-gate ali tão perto, uma surtida rápida à dita festa cristã coloca-nos a penugem no ar, é demasiada emoção, demasiada informação, demasiado decibel, o clone do elvis empoleirado no camião TIR à anunciar a tômbola internacional el cubo, banha da cobra em registo sorteio e escolha de prémios em regime um, dois, três, menos picadora mais carlos cruz, na linguagem popular um esquema de 'engana o menino e come-lhe o pão' mas de repente lembro-me de que já não se usam meninos em frases com o senhor televisão, parece provocatório, tal como o elvis da tômbola com microfone à matrix, a prometer bicicletas, motos quatro de perfil infantil, torradeiras, cafeteiras e televisões supostamente panorâmicas, com dois empregados chamados apelidados de 'secretários', o el cubo é uma corporação de luz e som e barretes enfiados à audiência que pasma e paga, sem pestanejar, sem um uivo, como os que se ouvem logo ali ao lado no carrocel swing dance, com animador próprio, 'roda que roda', 'gira que gira', 'as meninas já estão despenteadas', 'uuuuuêêêêêoooooohhhhhhh' e o povo sacudido replica 'uuuuuêêêêêoooooohhhhhhh', cantar enquanto se é sacudido como se se estivesse numa claque mas com menos droga e menos assaltos a bombas da galp, em frente os basbaques responsáveis pela barraca totolatas não desviam o olhar e pasmam, ninguém quer saber dos seus peluches, das suas desditas made in taiwan que de formosa já deve ter pouco, logo à frente temos o pontapé ao boneco, um sucedâneo de nenuco com cachecol do porto pronto a levar bordoada, o prémio é uma garrafa de espumante asti que o empregado mal segura, tem o braço direito todo encarquilhado e cara a condizer, deve ser por coerência, a caminho do fogo de artifício que há-de coroar o dia passa-se pela churraria samy a aviar farturas como se não houvesse amanhã, barraca com néon e janelas fictícias com cortinados de rendinha que dão para as traseiras do gerador a gasóleo, deus impeça a promiscuidade entre este e as frigideiras, tempo ainda para uma visita à discoteca tirso, eldorado do cd martelado e da marchinha pirilau sempre com o pito na boca dos cantores ousados, o romance na boca dos consagrados, tony e mikael, há linhagens de sonho e vidas de pesadelo, como a dos mccann, na disco-tirso há fotos da maddie com a frase olha-me nos olhos, imediatamente antes da hipnose zarpamos, está quase a estoirar o fogo a partir de três pontos, um na ponte, dois no rio, nós basbaques como os outros mas confiantes como nunca da superioridade alfacinha sobre o fato de treino migrado de aix-en-provence, que encaralha com os filhos com sotaque, tudo a estoirar, tudo multicores e aqui e ali um desperdício em chamas a apavorar a multidão de fiéis, eu incluído, que ia tendo a parca barba feita à chapada por um farrapo mal apagado, do céu sempre vieram ameaças medonhas e sinais mais do que ambíguos, alguém nos proteja e nos guarde, e depois admiram-se que se tenha inventado a religião.

4 comments:

Anonymous said...

caríssimo irmão lúcia, deixa-me dizer que a tuas crónicas do quotidiano lembram-me uma espécie de António Lobo Antunes do proletariado. Sem ofensa. O estilo é parecido, não se passa é em Benfica ou no Ultramar. Caudaloso.

pedro vieira said...

embora saibas da minha relação difícil com esse autor adivinho no teu comentário uma boa intenção banhada a elogio. tanquiu beri naice.

Luís Daehnhardt said...

Brilhante! Brilhante!

Tiago R. said...

Muito bom. Muito ritmo, conteúdo.
Andas a escrever como se há de escrever daqui a 50 anos.
Muito à frente.
Continua!