a carris é uma festa

podia fazer referência aos suores frios inerentes a aparecer colado a um texto do mestre drummond mas não vou fazê-lo porque sou um bocado iconoclasta, pelo menos no sentido de ter aprendido esta palavra há dias e agora sentir-me obrigado a usá-la. aliás, tem uma sonoridade que deveria torná-la obrigatória desde tenra idade nas bocas dos petizes, infelizmente mais interessados em praticarem o bullying com os colegas mais fraquinhos do que em apreciarem a língua à portuguesa. adiante. o motivo que me traz à liça da primeira crónica é outro, os transportes colectivos, em geral, a carris, em particular, que ostenta actualmente nas costas dos senhores motoristas um cartaz publicitário que é toda uma revolução semiótica travestida de amarelo-mercedes. o que antes era um aviso sensaborão sobre a imbecilidade de andar sem título de transporte passa agora a uma invectiva a letras gordas que assegura que andar de trasnportes públicos sem título de transporte válido é punível por lei. diga-se que este punível por lei está escrito em caracteres para amblíopes, não há forma de não captar a mensagem que, em si mesma, e no meu entender de comunicador de bancada, espelha fraca estratégia – num país de justiça em fanicos é difícil algum meliante de sete colinas caducado ser educado para a cidadania com tal ameaça, terá pelo menos dez ou doze anos para carregar o cartão e fingir que não era nada com ele, isto nos casos em que não será o neto do autuado a dar com os costados na boa-hora [estranho nome para um local onde se fala de navalhadas e crianças ao colo de reformados marotos, aliás].
mas há mais. o dito cartaz é ilustrado, com fotografia de uma senhora aparentemente distinta, com gargantilha no pescoço lustroso, de cara cortada graças a um enquadramento que lhe garante o anonimato mas com direito a mise en scène que alude àqueles momentos em que se é fotografado na esquadra depois de uma noite de putas e vinho verde, ou só de vinho verde, vá. ao invés do papel com o número da detenção ostenta um outro papel que assegura tratar-se de um cliente sem título válido, como quem diz, entraste na carripana sem o lisboa viva, agora vais conhecer as maravilhas do chegar de roupa ao pêlo com um par de toalhas molhadas, que nem sequer deixam marcas na maquilhagem MAC que custou uma pipa, ou mesmo, carregasses antes o cartão em vez de passares o dia a pintar as unhas, que a cliente também as ostenta, diria até que este é o primeiro caso de comunicação de massas white collar, apontada às classes que não trazem os frangos vivos no autocarro 50 depois de uma passagem pela feira do relógio, aliás, está dirigido a gente que garante a pés juntos que o leite vem do pacote e que as galinhas têm quatro patas, que ficou com o coupé encalhado numa cratera lisboeta, que as há muitas, e que teve de recorrer ao empurra-encolhe-onde é que vais com a minha carteira para chegar ao holmes place mais próximo. é toda uma revolução nos costumes e uma folga no pau que bate nas costas da classe operática. digo eu.

texto publicado no blogue colectivo sinusite crónica

No comments: