cá se vaiandando com a cabeça entre os couratos

© rabiscos vieira

a amizade, a solidão, a verdade, quase todos os temas que inquietam o ser humano têm passado pelo sinusite, com excepção do courato. esse mesmo, proveniente do porco, programado para embeiçar gente de compleição rija e queixo que se quer gorduroso e o que eu me pelo por isso. pois bem, o mercado do courato está mais retraído do que o do subprime americano, com a diferença de os porcos anónimos que o alimentam [ao do courato] não nos escavacarem o crédito à habitação e o maldito spread, mas isso são contas de outro rosário, aqui falo de orelhas. e carimbadas.

em tempos o courato foi glorioso, júlio césar nunca teve mais autoridade do que esta chicha dos deuses quando proclamava veni, vidi, vici, a orelha de porco reinava em vários palcos, à volta dos estádios, nas feiras, nos encontros sindicais, nos santos populares, no primeiro de maio, no lupanar coche real da venda nova. bom, fala-se de carnes e começo a tergiversar. ponha-se então o courato nos eixos da glória que já teve e que paulatinamente vai perdendo para outras iguarias de marca roulotte, rodeadas de frascos de molho, uma miséria, ao courato não era preciso juntar adornos, bastava-nos o carimbo roxo da qualidade atestada e o pêlo hirto, capaz de provocar um suave reco-reco no céu da boca.

pior, hoje o courato caiu do olimpo dos petiscos em favor de uma série de versões softporno como as agora afamadas tapas, degustadas em cima de pão tão artificial que só pode provocar o cancro, ou o dengue, vendidas em casas bem decoradas, cheias de tias e yuppies super modernos e amigos da cava, da caña e do caralho a quatro, que saltitam e bradam olê, olê olê, assim mesmo, com circunflexo, que o uso dos agudos condiz mais com o povoléu que não vem com salero de berço.

quanto a mim deploro a retracção da popularidade do courato, aquela sua composição tão portuguesa, mole e gordurosa a maior parte das vezes, eriçada em pêlo grosso quando lhe pisam os calos, ou mordem as pontas, arriscava até dizer que o courato podia ser um baluarte da civilização ocidental ameaçada pelos barbudos que insistem em rebentar-se nos transportes públicos dos outros, que eles nem sequer comem porco, nunca se lamberam com uma farinheira embrulhada nuns ovos mexidos, nunca rilharam com os dentes o osso de uma costeleta. o courato como charneira diferenciadora de uma civilização. pensem nisto.

eu vou fazê-lo, enquanto saio de casa em busca de uma metadona, de uma substituição, quem sabe uma bifana daquelas mergulhadas na frigideira atestada de molho, dizem até que foi duma dessas que o fleming extraiu as primeiras penicilinas.

texto publicado no blogue colectivo sinusite crónica

2 comments:

PDuarte said...

O texto está engraçado como sempre.
Mas se me permite, courato é uma coisa e orelha é outra.
Aliás a figura de estilo baseada na cantiga do Sérgio está porreira, mas não muito certa.
Couro é uma coisa, cartilagem é outra.
Aceito que ande arredio dos talhos, mas é o que é.
Um abraço.

pedro vieira said...

é bem verdade, aliás a questão já foi debatida aqui:

http://sinusitecronica.blogs.sapo.pt/13788.html#comentarios

sinal de que com o porco não se brinca