folga à portuguesa

um despertar de sopetão com o amável guinchar das crianças que vão à escola aqui mesmo, atrás da minha almofada, que é como quem diz a meia dúzia de metros, os cascos no chão e toca o telemóvel para anunciar uma encomenda rabiscada a produzir no espaço de uma hora, que sob pressão é que um gajo mostra se é rijo, grande e macho, derrapei o prazo em 15 minutos, o que querem, afinal de contas não tenho genes africanos, tratar de sair lavadinho e cheiroso para almoço, por preguiça de me abeirar dos tachos caseiros, e enfio direito ao paraíso do conde redondo [não rir, s.f.f.] onde me foi servido um belíssimo bacalhau à lagareiro acompanhado das naturais batatas a murro e de umas couves cozidas, sinal de que o transformismo da zona já chegou às receitas tradicionais, e eu indiferente ao tecto pintado ao estilo tarte merengada, com texturas e tudo, e vai que rumo ao dentista para reparar um desgraçado que insiste em parecer-se com bagdad, bisturi eléctrico em acção para amansar a gengiva rebelde, o odor a courato espalha-se pelo ar e eu não reclamo, a doutora, querida, aconselha prudência nas dentadas ao longo do dia, à saída a assistente compara a relação com o dentista à relação com o ginecologista sem eu entender exactamente porquê, talvez porque o outro trata da boca do corpo, sigo viagem para emborcar umas imperiais à torreira, país atrasado mas com um sol tão lindo, e depois é saltitar chiado abaixo para ir encontrar a esposa à feira dos tecidos, agora vai-se a pé até casa para pôr as cusquices em dia e eis que ao serão temos bola na televisão, a dama na cozinha a fazer o jantar, o mandrião a coçá-los enquanto o lucho não dá tréguas, é o casal do século XXI na voz da minha ciganita, é uma vida de valor no teclar aqui do rapaz. viva portugal.

2 comments:

popeline said...

Nao estarias num episodio do Conta-me como foi? Seu pequeno pequeno burguês!

Ricardo Machado said...

É uma vida de "lucho"!