um profundo desejo de horizontalidade

há uma mania, uma idiossincrasia, um hábito malévolo do visitante português de livrarias que me irrita supinamente, embora não saiba bem o que isto quer dizer, uma atitude que se poderia evitar não fosse dar-se o caso de o homo lusitanus ter uma manifesta tendência para a horizontalidade. falo daquela atitude enraizada em inúmeros algozes anónimos da paciência do livreiro que consiste em retirar um, dois, sete livros da ordem que, depois de consultados, acabam deitados por cima dos outros exactamente na mesma zona de onde foram retirados. o buraco na ordem natural dos livros está lá mas o visitante opta por deitar o objecto consultado POR CIMA dos outros, naquilo que poderá revelar uma tendência identitária do nosso povoléu. note-se que a honradez, que anda na boca de todo o português, mais sérgio silva, menos sérgio silva, mais santana, menos menezes = igual a um resultado que não quero agora quantificar, dizia, à honradez está associada a palavra 'verticalidade' e não a sua congénere refastelada num sumie ikea [instituição que também começa a enfiar a colherada na nossa identidade, mas isso são maples de outro rosário]. aliás, quando alguém quer dinamitar o conceito de meritocracia no seu local de trabalho basta afiar a língua e sugerir que a susete só é secretária da erecção, minto, da direcção, corrija-se, porque subiu na horizontal. mais. quando se fala em conjuras e traições planeadas usa-se o prosaico 'fazer a cama'. esta obsessão está a virar-se contra vós, povo de atlântico à ilharga e pouca escolaridade obrigatória, sobretudo quando for liberalizada a utilização da tristemente célebre moca de rio maior entre os livreiros, que assim poderão fazer um pouco de pedagogia de arrumação junto dos ignaros. e já agora dos conscienciosos-provocadores-horizontalistas. os livros querem-se de pé, como as vítimas da fome, caros amigos. e não me venham com o argumento de que se arrumassem o canhenho no sítio certo o livreiro perdia o emprego por falta de trabalho. vocês não imaginam a quantidade de blogues que há para ler no horário de expediente. e se duvidais desta tendência de comportamento é porque nunca ouvisteis falar nas estatísticas do sitemeter. swear to god.

texto publicado no blogue colectivo sinusite crónica

2 comments:

Daniel said...

Por acaso acho esse comportamento bastante civilizado. Numa biblioteca ou numa livraria grande, um livro mal colocado pode demorar dias, semanas, meses a ser encontrado (dá tempo para a susete engravidar). O «buraco na ordem natural dos livros» não quer dizer nada. Tantas vezes um gajo tira um livro «aqui» e aparece um buraco «ali». Swear to god. (Já para não falar nas pessoas que têm uma relação estranhíssima com a sempre caprichosa e implacável «ordem alfabética»).

popeline said...

os livros querem se de pé como as arvores, mesmo os que sofrem manifestamente de micoses