alimentei durante anos a militância, o sentido de dever, a férrea determinação das obrigações, talvez pela formação cristã, talvez pelo deslumbre perante o objecto sagrado, escasso nas gerações familiares que me antecederam, mais farto na minha vida infinitamente mais mansa que a dos meus pais, menos trabalho árduo de partir unhas e criar equimoses, mais prosápia enfatuada de menino mais instruído mas temeroso do graal com letras, o livro, aquele que não se abandona, mesmo que desprezasse um ou outro a refrega era levada até ao fim, para ver como acaba, para respeitar o objecto de saber, mas eis que a dada altura começo a pensar que o livro também tem de me respeitar, de me dar prazer, de me fazer sentir que as horas que nele invisto valem a pena, tão pouca vida para tantas letras, e eis um sefarad de muñoz molina desclassificado e encostado à boxe, um vírus balcânico do caldeira rodrigues afundado em camadas gordas de reportagem empastelada, uma alexandra alpha do sacrossantro (isto não é uma gralha) cardoso pires devolvido à procedência, sem contemplações para tamanha auto-referencialidade, para as alusões francófonas, para o dó que inspira a marialvice transbordante, não o traguei, não me entusiasmou, e larguei-o sem remorso, em atitude protestante que me impede de adorar santos onde não os vejo, para mim o deus da literatura não deixou de existir, simplesmente há que ter tempo para procurá-lo e deixarmos de andar às voltas com coroas de espinhos e parágrafos e travessões que nos ferem a paciência até à exaustão. o deus castigador ficou lá atrás, no velho testamento. ouvi dizer.
abandono
Publicada por pedro vieira em 18.7.08
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
7 comments:
Pois é. Percursozinho semelhante ao meu.Também sentia o pecado de abandonar um livro.
Agora já estou na fase: "Este livro comprei ou apenas folheei? Tenho lá em casa para ler?".
Parece que sem pecado só podíamos "petiscar" a poesia.
E havia também o conceito de que só se podia ler ul livro de cada vez.
Como as coisas mudam...
Também me acontecia exactamente o mesmo, sentia pavor de não acabar um livro.
Até que um dia despachei o "Germinal" do Zola para a estante ao fim de 3 páginas e alguém me elogiou por isso, que era preciso coragem para desprezar uma obra-prima.
belo texto, pá.
z
Não é meu costume, hábito, escrever alguma coisa daquelas que normalmente correspondem aquilo que gosto ou desgosto. Mau feitio, segundo alguns.
Mas devo confessar, porque devo, que estou de acordo, por palavras ou faltas delas. Porque sim portanto. Já agora um bem haja, à formalidade do texto.
Por outro lado...largar o cardoso pires...
sim sim cem vezes sim quanto mais prima mais desconfio da obra
aberta a boceta de pandora acho que é muito mais fácil largá-los. salve seja.
Post a Comment