viagem rumo a Berlim, com B grande, cidade mítica, sede da política pura e dura no continente europeu, catástrofes, cosmopolitismo, regeneração, nova meca das artes, tudo muito lindo mas eu cá sempre pensei ir em busca daquelas monumentais canecas de cerveja, as tankard, que davam nome até a uma roufenha banda punk que eu ouvia na adolescência, entremeando com os corrosão caótica (piranha, onde andas?) e os toy dolls. outros tempos, outros sons, desta vez embarco embalado em fado-spaghetti já que no voo low-cost da praxe vou na companhia dos dead combo, que não resisto a abordar e que revelam estar a caminho de gdansk na polónia e de tallin na estónia para uma microtournée, só os dois, com guitarras e backline às costas, sem roadies e roulottes e benesses de rockstar que fazem as delícias pimba do rock in rio, entre outros afilhados. boa sorte aos indivíduos, desejo eu, que estamos a aterrar na terra mítica (não confundir com carrosséis e montanhas-russas na zona de valência) e na plataforma sobranceira aos carris que nos levarão de schönefeld ao centro da cidade uma visão enternecedora: por todo o lado vêem-se papeleiras divididas em quatro cores que permitem a separação dos lixos, veja-se a sobranceria dos bichos, isto num país ainda em vias de desenvolvimento que nem sequer conhece a vanguardista profissão de arrumador de automóveis, como constataremos durante os dias seguintes. primeira viagem no óptimo s-bahn, que é uma espécie de metro de superfície de mirandela mas em mais comprido e urbano e com menos alheiras que, como se sabe, saíram da cabeça dos judeus, e misturá-los com berlim é coisa que vou deixar a marinar, don't mention the war, lá dizia o outro e com propriedade. largadas as tralhas no hostel localizado na rua da comuna de paris começa o primeiro palmilhar exploratório da cidade, karl-marx-allee acima, avenida que faz jus ao nome pois de tão larga e comprida deveria ser daqui que se percebia se o tal espectro vinha pela europa adentro ou não. também era aqui, na antiga stalinallee que mudou de nome em 1961, altura em que beria e outros rapazes já não podiam partir os dentes à reacção ou a um ou outro milhão que aparecesse, que erich honecker - grandes óculos - assistia às paradas militares da rda, supondo-se que não usassem trabants, não fosse dar-se o caso de a parada não pegar. ao fundo da dita avenida chegamos então à famosa alexanderplatz, ainda implantada num contexto urbanístico socialista mas cada vez mais cercada de centros comerciais, entre os quais o alexa, que visitei sem saber que pertencia ao grupo soane, e que me proporcionou a degustação de uma verdadeira bola de berlim, mais fofa que as daqui do burgo e polvilhada com suave açúcar em pó, perdendo-se assim a lusa sensação de estarmos a trincar um frito embebido em vidro moído. na praça propriamente dita campeia a colossal torre de televisão, monumental pilarete de betão de fazer inveja a qualquer ceramista das caldas encimada por uma bola de espelhos saída da novela dancing days e correspondente antena. das putas, junkies e marafados do alexander döblin nem um rasto, se o fassbinder se metesse agora ao trabalho andava a filmar bonecos playmobil nas montras da galeria kaufhof. avance-se então para o jardim com as estátuas de papai marx e mamãe engels, onde um trio de adolescentes nuestros hermanos insistia em encavalitar-se nos ditos teóricos, lá atrás tinha ficado um dos inúmeros dunkin'donuts de berlim leste, o que prova que a queda do muro também trouxe consquências muito nefastas. um pouco mais à frente deparamo-nos com as últimas ruínas do palast der republik, antiga sede do parlamento ddr, que estava forradinho a amianto, material que provocava cada mazela que um gajo até suspira por um bom interrogatório da stasi. deite-se abaixo, então, com o dom, a catedral, em pano de fundo. neste primeiro dia ainda fomos unter den linden afora até à porta de brandenburgo, seguida de volta ao bilhar grande (enorme) do bairro parlamentar, reichstag e sua cúpula, edifício do parlamento e associados, arquitectura de rasgo, aço e vidro ao longo da via que leva a friedrichstrasse, nada como termos a casa bombardeada para construirmos de novo e em melhor, guinada na oranienburg strasse e paparoca no hackesher markt, que a fome aperta, ainda mais do que os pés dentro dos sapatos. ao fim do primeiro dia já tínhamos avistado inúmeros berlinenses de garrafa de refrigerante no sovaco (não perguntem) e começávamos a desconfiar que esta era uma cidade em que os carros saem à estrada sem a buzina ligada.
avistamento de clone do dia: o francisco a bater-se com um belo jantar na oranienburg strasse.
2 comments:
É engraçado a diferença de olhares sobre a mesma cidade.
Projectaste o marxismo para cima de Berlim, como se fosse um museu exclusivo do socialismo (o que me sugere falta de visão, mas depois da ida para o Arrastão que Nosso Senhor Jesus Cristo te guarde, meu rico filho) e acabaste por esquecer a caneca - o objectivo primordial, se bem li.
As viagens devem servir para nos abrirmos e não para confirmarmos ideias que estão, única e exclusivamente na nossa cabeça. é esse o prazer do great unknown.
Seja como for, é uma cidade monumental. Falta-lhe apenas uma praça de touros.
Um abraço.
E eu que julgava que conhecia Berlin por dentro e por fora e falta-me a experiência da bola de Berlim (em seu próprio creme)!Obrigado Irmãolucia. Selbstverständlich, mein lieber Watson!
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