o joão aguardela



não há volta a dar, a notícia do desaparecimento súbito do joão aguardela marcou o meu dia, mesmo sem nunca nos termos cruzado, sem nunca o ter conhecido cara a cara. o que se passa é que o aguardela marcou o meu crescimento, sobretudo com os sitiados, e a mágoa aterra onde menos se espera por via das canções, das empatias, daquilo a que se assistiu, pulou e trauteou, mesmo que em registo biqueirada e de andar o mosh, mas sempre com muita ternura. o disco homónimo saiu em 1992 e eu conheci-o através do programa do henrique amaro na nrj e o dito apanhou-me de estalo naquele que foi um efeito surpreendente em plena efervescência adolescente – ao mesmo tempo que assistia a concertos dos corrosão caótica e dos tropa morta deliciava-me com o balançar do rock e folk à portuguesa, o london calling a competir com a pérola negra, e a miúda do acordeão que até andava na minha escola secundária, e as boas recordações que vêm dessa altura, o 1º de maio de mil nove e noventa e três na alameda, com rapaziada a potes deliciada (não tenho queda para adjectivos) com o carvalho da silva imediatamente antes da entrada em palco da trupe do aguardela, e depois aquela ocasião na amadora, naquele jardim com uma estátua do zeca afonso, plantada quando a porcalhota era de esquerda, e o povoléu a vibrar, os próprios sitiados haveriam de glosar o zeca anos depois, através da formiga no carreiro, e mais tarde a loucura à torreira do sol no demolido estádio josé de alvalade por ocasião do festival portugal ao vivo, em que os sitiados abriram as hostilidades e os xutos levaram ao palco três strippers, imediatamente antes de se transformarem em mobiliário institucional.
seguiram-se o projecto megafone que conseguiu pôr o giacometti na pista da discoteca e nos palcos secundários da expo 98 e a linha da frente, que conheci de relance, até reacender à séria a minha atenção com a naifa, sobretudo com o disco 3 minutos antes da maré encher, que adoro. vi-os em palco na festa dos comedores de crianças ao pequeno-almoço de 2007, interpretaram aquela do soldado soviético sem medo da assistência potencialmente adversa, o aguardela mais charmant do que na altura das guedelhas compridas, e agora foi-se, vítima da doença que me dá calafrios. sem armar ao especulativo-sentimental acho que posso dizer/escrever que viveu para a música portuguesa, que vai deixar saudades, que me vai fazer procurar em casa da minha mãe a cassete onde tenho gravada a estreia dos sitiados gravada a partir de um vinil, uma tdk preta, da cor do luto. quanto a isso acabo como comecei, não há volta a dar.

em stereo

5 comments:

magarça said...

Também guardo na memória o concerto dos sitiados na celebração do 1.º de Maio, um dos primeiros a que fui. O João Aguardela vai deixar saudades..

Anonymous said...

nem mais!

FavaRica said...

lembro bem o portugal ao vivo em alvalade; a minha indignação com as gajas nuas dos xutos; o encerramento encapuçado dos delfins. engraçado que a notícia também me trouxe, mais vivos que nunca, deja vus de um periodo marcante e (pouco) rebelde.
só agora tive a noção do ícone que foi o aguardela.
e será.

Anonymous said...

mesmo que tivesse "jeitinho" para a escrita, não teria conseguido converter melhor em palavras o sentimento que me invadiu. cá p'ra mim, você vigia-me o cérebro... por gps.

jabrantes

Anonymous said...

Grande abraço, é o que eu te digo.