doggy style


© rabiscos vieira

Maria Velho da Costa, então, a minha estreia com uma das três mãos que amassou as Cartas Portuguesas, passe a imagem cronenberguiana – adjectivo que até inventei agora depois de pensar no Ricardo Carvalho a lateral direito – que amassou o diabo que é a vida de Myra, personagem-turbilhão amiga da selvajaria em carrossel, em cornucópia da abundância arame farpado, que atravessa o livro todo, todinho. Divido a desdita da russa Myra, que também é Kate, que também é outras, em três partes: Purgatório no arranque, Céu de algodão doce no meio, Inferno no fim, mas até este Céu é de algodão encardido, o açúcar é de safra fatela, assenta no horror velado que há-de estar à vista, imediatamente antes da queda a pique de Myra-Lúcifer e seu cão, a violência bem temperada, a linguagem contemporânea e eu encantado. Os dois viajantes, moça e bicho, só não deambulam pelo Limbo, o Vaticano até já o extinguiu, as crianças por baptizar já lá não dão com os costados, a autora não revela se Myra foi agraciada com o dito sacramento, sabemos sim que se benze à russa, da direita para a esquerda, que lembra as cúpulas douradas da terra natal, que pensa na avó, na dor, na neve, na vida fodida para a porrada, aliviada por um cândido Orlando com pouco optimismo, e percebe-se o porquê. Mas para tal leia-se, mastigue-se, digira-se esta Myra com travo a fel e bortsch e vice-versa. Uma nota que me azedou o paladar – a espaços a russa que notoriamente afiou a vida na sarjeta dá-se ares de filósofa, de ser bem-pensante que a vida em carne viva não deixaria adivinhar. Como na viagem em que Myra arranca do Algarve. E é este detalhe que me faz resumir uma leitura do caralho em duas palavras: Amei. Mas.

1 comment:

Anonymous said...

A irene e o contrato ainda é melhor. O Orlando é mais do que parece.