a feira do livro # 6

tratem-me por Ismael. há alguns anos - não interessa quando - achando-me com pouco ou nenhum dinheiro na carteira, e sem qualquer interesse particular que me prendesse à terra firme, apeteceu-me voltar a navegar e tornar a ver o mundo das águas, pelo que cirandei pela feira do livro para testemunhar as bátegas de água que nunca falham no certame do Parque eduardo VII, clássicas, muito molhadas, feira molhada feira abençoada é mas é o caralho, catástrofe do transeunte e das registadoras, e atenção, eu sou um tipo que aprecia e muito as humidades, até demais, mas ver chover dentro e fora dos novíssimos pavilhões é coisa que me maça, depois ainda querem que um gajo deixe de lhes chamar barracas, é o deixas, o paraíso da goteira conseguiu arruinar-nos um teclado e outras minudências, naquela que foi uma tentativa da natureza no sentido de incentivar a tradição do livreiro que não usa computador, que tem tudo na cabeça, inclusive água do chuva e cola de pistola liquefeita. Com o escassear de leitores as atenções no meu corredor estavam viradas para o estóico carteiro Paulo, mais o seu gato preto e branco, que continuava a acenar repetidamente às poucas crianças preparadas para um dia de natação forçada nas ladeiras da feira, o carteiro Paulo que vim a descobrir tratar-se de uma rapariga fantasiada com monumentais peluches e esponjas, era gajo para dizer que o caos das identidades sexuais tinha chegado ao Parque, não fosse dar-se o caso de ele (Parque) já ter a sua fama e proveito de há muitos anos para cá, é só deixar anoitecer e mirar as bermas, o carteiro Paulo como inimigo público da saúde mental das crianças, que rico balanço do dia numa feira do livro, os editores a quererem lançar a confusão na cabeça dos petizes, isto numa terra em que agora até a boiolagem quer dar o nó e as mulheres querem votar e fumar, deixámos cair os papás marcelo e o thomaz e agora saíu-nos na rifa um país destes. Definitivamente, quem anda à chuva molha-se.

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