tenho andado com os olhos postos na obra que decorre a três, doze, cinquenta passos do meu prédio, uma daquelas obras clássicas, nas quais, aliás, não se pode pôr muito os olhos, não vá dar-se o caso de o operariado tomar-me por bichano, rabo, panilas, é olhar e pôr ao fumeiro, que é como quem diz, ficar com o panorama nas meninges e mastigar e mais tarde deitar-lhe fogo em prosa, à obra e aos espartanos que enfrentam as marés de entulhos persas que brotam do prédio que andam a descascar, tudo à unha, escopro e martelo, mais a ajuda da roldana puxada a braço e coluna desfeita, acima, abaixo, todo o miolo das habitações com direito a depósito no contentor plantado à beira da estrada, sobejante de água e objectos indecifráveis durante a manhã de hoje, aquela após o trovejar dos infernos e a bátega de água que, com a ajuda dos anjos e dos santos, terá lavado impecavelmente o meu automóvel, uma canseira o ofício do obrame que no caso em análise só conta com a ajuda mecanizada de uma misturadora de cimento, bota-se lá para dentro a mistura em pó e lá vai alho, a dita mistura que até já está acamada cá fora, entalada num caixão de tábuas por envernizar, direitinho, do ramo, paraíso do trolha in progress, juro que cada vez simpatizo mais com esta obra, que diabo, ou pelo menos simpatizava, até ao momento em que ontem pela fresca me deparei com um visão digna de um Dante, aquela merda toda dos círculos de sofrimento e o caralho, só que neste caso em forma de risco ao meio, ou rego, vá, que brotava ufano das calças de ganga mal amparadas do moço que costuma estar a dar à pá à beira da máquina já referida, o tipo agachado, e no instante seguinte a levantar-se e as calças que não o acompanham, vergadas ao peso da gravidade e à falta de cinto capaz, e eu com os cereais e o leite a subirem-me aos gorgomilos, ligeiramente nauseado mas firme, ladeira abaixo, a pensar que aquela visão complementa na perfeição a personagem, afinal trata-se do mesmo indivíduo que ostenta um muito robusto túnel do grilo na zona onde deviam estar os incisivos, um sorriso ao estilo arejado dirigido com especial deleite às doutoras e enfermeiras do hospital vizinho, o que casa bem com os costumes aqui do bairro. e do que eu gosto mesmo é que as pessoas se sintam integradas.
a obra
Publicada por pedro vieira em 9.9.09
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
2 comments:
o operariado raramente se engana.
tanta volta, tanta história e foi tudo parar ao escroto dum mestre de obras!
Post a Comment