as Correntes, epílogo, ou "já vai sendo altura de estancar a bonecada" ou "afinal a isabel coutinho ainda usa papel"

© fotogramas vieira

as Correntes são uma festa, Paris é também uma festa, já o garantia o outro que até ganhou um nobel e peças de caça e veleiros e mulheres em cascata mas que também acabou com os miolos feitos em cerelac, coitado, como tal deixemos a cidade-luz, concentremo-nos na cidade da faina, dos livros e seus autores, dos leitores que acorrem aos magotes, da organização alemã conjugada com a simpatia latina, como bem notou mestre mário zambujal na viagem de regresso a lisboa, e eu lá vim, sentado na carruagem com o coração apertado e os miolos às cócegas, afinal ninguém me mandou ficar nas imediações do grande tiago gomes, protagonista do momento mais punk do evento, boa noite vila do conde e o diabo a sete, já lhe vou sentindo a falta, até me dói a ausência do louco encartado que nos alertou para os perigos da revolução amarela e da invasão dos mulatos, o analfabeto que enfrentou os intelectuais, palavras do próprio, e dói-me a ausência do desassombro do zuenir, do texto do valter acerca do poeta predador, da inteligência torrencial do onésimo, do cabrito assado à padeiro do zé das letras, ah tempero do caralho, da doçura da dulce maria çardoso (só para forçar a aliteração), do carinho da manuela e do francisco, do meu fígado que ficou a bater palmas algures entre o auditório e o hotel, se me deixassem escolher temas de mesas para as Correntes avançava com um literatura e cirrose, ou o poeta é um destilador, acontece muito, sabe a pouco, vou distribuindo as memórias e recordo a resistência homérica do vitor quelhas, o nosso pater familias, a afabilidade para lá do razoável do manuel jorge marmelo, o ambiente twilight zone da festa do bolaño, o maior contributo para o choque de civilizações desde aquela coisa chata que sucedeu ao world trade center, a saudade da coisinha sexy da ruth marlene, da areia da praia tão boa para rebolar ao amanhecer, das camisas escancaradas do luis caetano, dos amigos que já levava de lisboa, vocês sabem do que é que eu estou a falar, da voz do malangatana que parece ter enfiado o tom waits e os ratos de porão na garganta quando imita uma canção sueca, do humor no fio da navalha do eduardo pitta, do monumento ao emigrante no topo do monte de são félix, stairway to heaven rói-te de inveja, dali do alto via-se a maria joão costa no seu corrupio radiofónico e outros desgraçados no seu afã, malta da câmara, motoristas, desafortunados que atenderam aos meus pedidos do ponha uma mesa ali, uma cadeira aqui, uma extensão além, perseguir, construir a literatura dá trabalho, pois claro, mesmo numa localidade cujos mini-mercados vendem vodka made in santo tirso, o que comprova que a realidade sempre ultrapassou a ficção.
agora voltei à vida de todos os dias, à espera doutras correntes, uma meta como outra qualquer. até lá penso no desgoverno de uma pilhagem feita aos mini-bares na companhia outros cinco fanáticos, com mais vontade que sucesso. tudo isto é literatura, tudo isto é sagres. fado, quero dizer.

2 comments:

1de30 said...

E, graças a d'us, já esqueci as anedotas... [TS]

Anonymous said...

Um texto torrencial e rigorosíssimo! Beijinho, Clara