grande gala 'azinheira spoken word', tomo 13

Fast Fátima


Em tempos, Portugal tinha 3 efes. Fátima, fado e futebol. O efe do meio caiu com Abril. Hoje é um género musical respeitado, apreciado e cantado, há até quem diga que está em renovação. Ora, renovação é coisa bem pouco portuguesa. Por isso, o efe de fado caiu. O de futebol mantém-se, ontem como hoje. Mas por ser tema profano, deixo-o de lado. Resta Fátima. Fátima, nome de gente, de local, de milagre, de entretenimento e de fé. Andava um bocado em baixo desde 74, coitado. Até que o PP (papa polaco) decidiu reabilitá-lo. Primeiro com a beatificação do trio pastoral, depois com a revelação do Terceiro Segredo (que curiosamente o incluía a ele próprio). Mas não bastou. Entretanto, o PP morreu e Fátima lá se aguentou como um efe nacional.

Ora, em Portugal, tem que andar tudo aos trios.É um verdadeiro país tridentino. Os pastorinhos eram 3, a Santíssima Trindade era trina, Deus, Pátria e Família também era um trio, os símbolos da nação são três, até o concurso televisivo mais famoso de todos os tempos descrevia a sublime progressão numérica que vai de um a três, adequada ao nível das aptidões matemáticas lusas.

Podiam os efes nacionais ficar truncados? Claro que não. Mas onde ir buscar outro? Figo? Demasiado novo. Foda? Demasiado obsceno. Folclore? Demasiado pindérico. Fidalguia? Demasiado monárquico. Portanto, houve que lançar mão, e rapidamente, de uma solução de recurso, inaugurada ontem: o desdobramento do efe de Fátima. Aliás, deve estar previsto na Concordata, senão tinha havido problema. E pelo ar satisfeito das autoridades deste estado laico, ontem, ao reafirmar as excelentes relações entre o estado português e a Santa Sé, presumo que estamos todos de acordo.

A inauguração da 4ª maior catedral católica do mundo foi o primeiro passo desta nova e maravilhosa dialéctica nacional entre tradição e modernidade, laicidade e religião, raízes e futuro, bom rebanho e bons pastores: Fast-Fátima. Um altar do Portugal Global, a consumir de forma célere e maciça, mesmo que cause problemas à alma com o aumento do colesterol e de gorduras espirituais e que seja muito pouco saudável. Mas que importa isso? Saúde não começa por efe, oh porra. Fast-Fátima vai ser servida por um novo aeroporto e por uma estação de TGV, para que todos desfrutem desta maravilha do novo milénio. Prevejo o rápido surgimento de pacotes turísticos low-cost, com inclusão de travessia de joelhos (em várias modalidades e extensões), visitas guiadas, orações personalizadas, pack promocional de lembranças diversas e reserva assegurada de lenços brancos para a despedida. Para os mais afortunados, haverá mesmo vouchers exclusivos com inclusão de pequenos milagres, a escolher de entre um lote de disponíveis. Para quem preferir uma opção mais modesta ou não se puder deslocar, será disponibilizada uma opção de pagamento de promessas on-line, aceitando-se os principais cartões de crédito.

Este cenário pareceu-me, durante muito tempo, um disparate. Ontem, ao ver onde foram gastos 80 milhões de euros neste país de iletrados e ao examinar a programação do principal canal de televisão pública desta nação laica, percebi que não é. É apenas uma antevisão de um amanhã glorioso. Não daqueles que cantam. Daqueles que se ajoelham e rezam.



Cenas Obscenas, aka o blogger suplente, aka o intruso, aka o salvador da contabilidade minada por um ou outro herege que arderá, senão no inferno, pelo menos num potentíssimo fogão meireles, inquilino no womenageatrois.



1 comment:

Cenas Obscenas said...

Fui avisado por um sinal do Além. Uma missão divina, portanto.